Quando analisamos o sujeito isoladamente, ignorando seu ambiente e as interações dinâmicas que ocorrem entre ele e seu habitat, nos deparamos com um entendimento incompleto. O sujeito não é apenas uma soma de experiências passadas, familiares ou transgeracionais, mas também um produto contínuo de suas experiências atuais e de sua interação com novos territórios culturais, emocionais e ideológicos.
Hoje, o ambiente digital emerge como um dos maiores influenciadores da subjetividade contemporânea, modificando não apenas as formas de acesso ao conhecimento, mas também a maneira como os sujeitos verbalizam suas angústias, comunicam afeto, expressam indignações e se articulam ideologicamente. Esse espaço, que Pierre Lévy identifica como cybercultura, apresenta uma nova configuração de ambientação cultural, onde as interações são mediadas por linguagens digitais que diferem significativamente das linguagens do mundo físico.
A Cybercultura Segundo Pierre Lévy
Pierre Lévy, em sua obra sobre a cybercultura, descreve o espaço digital como um ambiente de interconexão global que transcende fronteiras físicas e culturais. Na cybercultura, há uma descentralização do poder informacional e uma democratização do acesso ao conhecimento. Contudo, essa democratização vem acompanhada de uma explosão de conteúdos fragmentados, contraditórios e muitas vezes desinformativos.
O sujeito digital é, nesse contexto, inundado por um fluxo contínuo de dados que fragmentam sua atenção e subjetividade. Informações sobre política, relações interpessoais, esportes e entretenimento chegam simultaneamente, misturadas a fake news e conteúdos de valor duvidoso. Como resultado, o sujeito torna-se, em suas palavras, "pixizado": dividido em múltiplos fragmentos, ou pixels, que carregam diferentes pedaços de sua identidade.
A Sociedade Paliativa e o Sujeito Digital
Em Sociedade Paliativa, Byung-Chul Han complementa essa visão ao afirmar que vivemos em uma época em que a dor e o sofrimento são minimizados ou anestesiados pelo excesso de estímulos e distrações oferecidos pela tecnologia. O sujeito digital não é apenas fragmentado, mas também condicionado a evitar confrontar suas questões mais profundas. A hiperconexão promove uma busca constante por gratificação imediata, relegando reflexões mais densas e críticas a um segundo plano.
Esse sujeito digitalizado experimenta uma superficialização de sua experiência emocional e intelectual. Ele é constantemente estimulado a consumir informações rápidas e, muitas vezes, descartáveis, enquanto sua capacidade de aprofundar-se em um único tema ou sentimento diminui drasticamente.
O Inconsciente Digital
A ideia do inconsciente digital surge como uma provocação instigante. Se o inconsciente freudiano era estruturado pela linguagem, como Lacan sugeriu, o inconsciente digital poderia ser compreendido como estruturado por dados. Cada clique, busca ou interação digital compõe uma espécie de "inconsciente coletivo digitalizado", no qual desejos, medos e tendências comportamentais são armazenados, processados e utilizados para moldar experiências futuras no ambiente virtual.
Esse inconsciente digital reflete tanto a fragmentação quanto a amplificação das subjetividades no ambiente digital. Ele representa uma nova forma de registro do desejo humano, não mais através de palavras ou atos, mas de padrões de comportamento digital que podem ser analisados, comercializados e manipulados.
Uma Nova Perspectiva para a Subjetividade Digital
Dessa forma, o sujeito digital contemporâneo é resultado de uma síntese complexa entre o ambiente cultural em que vive, suas experiências passadas e as novas formas de interação promovidas pelo mundo virtual. Para compreendê-lo plenamente, é necessário:
1. Reconhecer a influência da cybercultura: o impacto da digitalização nas linguagens, interações e formas de subjetivação.
2. Explorar o inconsciente digital: entender como os dados moldam e refletem a psique coletiva.
3. Promover uma consciência crítica digital: desenvolver a capacidade de filtrar informações úteis e saudáveis em meio ao caos informacional.
Conclusão
O sujeito digital não é apenas um receptor passivo de informações, mas um participante ativo em um ecossistema cultural em transformação. Ao mesmo tempo em que a tecnologia oferece possibilidades inéditas de conhecimento e expressão, ela também apresenta desafios para a construção de uma subjetividade mais integrada, reflexiva e crítica. O diálogo entre os estudos de Pierre Lévy, Byung-Chul Han e outras perspectivas contemporâneas nos ajuda a repensar como estamos construindo nossa relação com o mundo digital e como isso impacta nossa humanidade.
Autor - Marcus Vinícius dos Reis Gonçalves
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